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Ao Jantar:
- Pai, a professora falou que existe uma terra que se chama Freixo de espada à cinta. Por que é que as terras se chamam como chamam?
- Bom. - digo, pondo o meu melhor ar de intelectual. - Trata-se de uma pergunta que mostra bem a rapariga inteligente que tu és.
- Não sabes, não é? – diz ela (mais como afirmação, do que como pergunta) enquanto a minha mulher começa a rir.
- Claro que sei. Por exemplo, essa terra tem esse nome, porque o senhor que a criou chamava-se Freixo e tinha uma espada à cinta.
- Pois… É capaz de ser isso. - diz, rendida à minha lógica imbatível.
- Quando é que deixas de acreditar em tudo o que ele te diz? - diz a invejosa da minha mulher.
- E sabes que existe uma terra que se chama “Luis Luz o Herói”? - digo, só para que a minha mulher aprenda a não me provocar.
- A sério?! Porquê? - pergunta-me ela, entusiasmada com a possível história que aí vinha, e que a iria ajudar a comer melhor o bolo de Rúcula, com que a minha mulher nos presenteou ao jantar.
- Bom, eu antes de conhecer a tua mãe, era muito feliz e passava o tempo a viajar e a comer o que queria.
- Mãe! Não dês pontapés ao pai! Ele agora também é feliz. Só não pode é comer o que quer! Não é pai?
- Claro que é amor. A mãe é que percebe as coisas mal. - digo a rir.
- Peço desculpa, meu amor. - diz a minha mulher, enquanto me (im)põe mais uma fatia do tal bolo no meu prato.
- Bom, continuando a história. - digo – Um dia estava a passar por uma terra que se chamava “Grande Bosta” e vejo uma multidão à volta de uma árvore. Fui ver o que se passava e estavam todos a olhar para o cimo da enorme árvore. Mesmo junto à árvore, estava uma menina da tua idade, a chorar e a dizer: “Quero o meu gatinho....o meu pobre gatinho...” e todos olhavam para o cimo da árvore e chamavam: “Gatinho, anda cá....Gatinho!”, mas nada acontecia. Perguntei porque ninguém subia à árvore para o ir buscar. Começaram todos a inventar desculpas: Que a árvore era muito grande...Que o gatinho era um chato.... que ele havia de descer quando tivesse fome....etc.. Eu olhei para a menina, que só soluçava suplicando ajuda… E adivinha quem é que se ofereceu, para ir buscar o gatinho da menina?
- Foste tu.
- Claro. E comecei a subir a árvore. Era a maior árvore que já tinha visto. Olhava para cima e nem conseguia ver o fim dela.
- E não tiveste medo?
- Bom, quando já estava muito alto, comecei a ficar cansado e a pensar que o melhor era descer e borrifar-me para o gatinho. Mas depois olhava para baixo e via os olhos da menina, a brilhar, com o queixinho a tremelicar, e continuei….De repente, começo a sentir alguma coisa a bater-me na cabeça, era um Pica-pau.
- E magoava-te?
- Claro. Cheguei a pensar que o melhor era descer, mas....
- Olhaste para baixo e viste a menina assim…- diz-me ela enquanto fazia a sua própria cara de súplica… não se esquecendo de pôr o queixinho a tremelicar.
- Pois...e lá continuei a subir.
- E o Pica-pau sempre a bater-te na cabeça?
- Não. Houve uma altura em que ele parou.
- Que bom.
- É verdade… Ele fugiu porque agarrei numa colmeia que estava presa num ramo e atirei-lha.
- Então continuaste a subir sem que nada te chateasse.
- Claro que não. As abelhas não gostaram que eu tivesse arrancado a colmeia e começaram a picar-me.
- Uiiiii.....E tu continuaste?
- Claro. Lembra-te que o pai é um homem corajoso. - digo, enquanto dou uma grande dentada numa fatia do bolo de Rúcula, logo seguido de um gole de sumo, para disfarçar o sabor.
- E depois?
- Depois, cansado, com a cabeça cheia de feridas do Pica-pau. Todo inchado com as picadelas das abelhas, que não paravam de me seguir….Vejo que estou quase no fim. Ouço um ruído e chamo: “Gatinho...anda cá gatinho.”.
- E ele veio?
- Não. Mas senti que estava escondido atrás de uma grande ramo. Fui até lá, devagarinho. – digo sussurrando - Afasto o ramo…. E VEJO UM ENORME URSO! – grito (tendo esse meu grito levado a minha mulher a regurgitar parte do bolo de Rúcula, o que acabou por ser a desculpa perfeita para eu e a nossa filha, deixarmos de comer o bolo e irmos buscar pão, manteiga e leite para finalmente, jantarmos algo de jeito).
- Continua pai. – pediu-me ela, enquanto dava uma dentada no pão. – Um urso em cima de uma árvore?
- Sim, um urso. Eles sabem subir às árvores! Ele viu-me, começou a cheirar-me, cheirou-lhe ao mel da colmeia e começou a abrir a boca. Eu dei um grito e comecei a descer o mais depressa que podia. Mas o urso continuava a vir atrás de mim. Eu a descer e ele a aproximar-se. Quando começo a ver o chão, vejo as pessoas a começar a fugir. Só a menina é que não saia do sítio. Finalmente chego ao chão, na pressa vou contra a menina, a qual está de braços abertos e a sorrir dizendo: “Anda cá meu gatinho.”
- O gatinho veio atrás do urso? – pergunta, intrigada.
- Claro que Não!! Está-se mesmo a ver que o urso chamava-se gatinho. – responde a amuada da minha mulher, estragando o “suspense”.
- O urso chamava-se gatinho? – pergunta-me.
- Sim. Era o bicho de estimação da menina. Um enorme urso a quem a menina tinha chamado gatinho.
- Então e depois?
- Quando eu toquei na menina enchi-a de mel, e o urso, que estava cheio de fome, quando viu a menina de braços abertos, abriu a boca e comeu-a.
- A sério? – diz escandalizada.
- Sim, mas não te preocupes, porque logo a seguir o urso teve uma indigestão e morreu.
- E depois?
- Depois saíram todos de casa e vieram-me dar os parabéns, pois finalmente alguém tinha acabado com o urso, de quem todos tinham medo. Fizeram uma grande festa e mudaram o nome da terra para “Luis Luz o Herói”
- Mas....e a menina? – pergunta ela, um pouco triste.
- Fiquei a saber que a menina era uma grande chata e que ninguém gostava dela, pois obrigava as pessoas a subirem a árvore para irem buscar o urso, e depois este comia-os. Para além disso, a menina nunca limpava a porcaria que o urso fazia nas ruas da terra.
- Por isso é que a terra antes se chamava “Grande Bosta”, não é?
- É isso mesmo. E o que é que aprendeste com a história?
- Que és um herói.
- Não. A moral da história é que se não cumpres a tua tarefa diária, de limpar a caixa de areia do gato, compro um urso e besunto-te com mel.
Lá consegui fazer com que as duas amuassem e saíssem da mesa e da cozinha, ficando, finalmente, sozinho para poder comer as bolachas de chocolate, que estavam desesperadamente à minha espera, na despensa.