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Sempre esperei que o meu primeiro filho fosse um rapaz,
tinha esperanças de poder ter com ele brincadeiras que o meu pai nunca teve
comigo (jogar à bola, lutar, comer doces à escondidas da mãe, na sua
adolescência sair com ele para conhecer gajas boas, etc.) assim fiquei um pouco
desiludido quando ficámos a saber que íamos ter uma menina. Mas lá me
conformei.
Nos primeiros tempos foi complicado, pois começou logo com
as manias de mulher, sempre que não se faziam as coisas à sua maneira era um
berreiro. Logo aí reparei que tinha herdado os piores genes da mãe, mas não
esmoreci, nem mesmo quando, mais tarde, começou a dizer as suas primeiras
palavras e estava constantemente a chamar-me mmãããããã
(e a minha mulher
achava-lhe imensa piada, buuuffff…). No meu intimo sabia que dentro dela se
estava a desencadear uma luta de genes e sabia que os meus genes eram
pacientes, por isso não estranhei quando começamos a notar uma mudança de
comportamento, lembro-me perfeitamente do dia em que reparei pela primeira vez nesta
mudança. Foi perto do seu primeiro aniversário, até aí ela comia toda a comida
que a mãe lhe fazia sem barafustar (o que obviamente não era normal) a partir
daí começou a fazer caretas, sempre que a mãe vinha com a papa por ela feita.
Sorri para dentro e pensei, aí vêm eles. Com o tempo foram-se sobrepondo aos
genes da mãe (não a todos porque há uns que são invencíveis) e começou a
extraordinária construção de uma personalidade espectacular. Agora, com três
anos, sou, para ela, o herói, o melhor, o modelo a seguir, todas as minhas
opiniões são leis, as minhas ordens são automaticamente encaradas como seus
desejos. Não há nada comparável à sensação de chegar a casa depois de um dia de
loucos no trabalho (onde só apetece é dar uma valente tareia à cambada de
incompetentes e irresponsáveis que pensa que ter um emprego é só para ganhar
dinheiro ao fim do mês e o resto são tretas) abrir a porta e ver aquela
maravilha a correr para os meus braços para me dar um forte abraço, ou então
quando, depois da mãe lhe contar a história (aí tem mesmo que ser a mãe) e
quando lhe estou a dar o beijo de boas noites, ouvir da boca dela:
- Gosto muito de ti.
É o suficiente para encarar o outro dia com força e vontade
de continuar a lutar contra aquilo que parecem moinhos de vento.
O que mais me fascina nesta sua fase é o seu gosto musical. Passo
a explicar: a mãe tem o péssimo hábito de acordar sempre bem disposta, eu pelo
contrário, sempre que acordo sinto-me como se estivesse num combate de boxe em
que o juiz está a contar o tempo para eu me levantar do tapete….7,….8….. e lá
tenho eu que fazer um esforço para me levantar antes do 10, daí resulta que
preciso sempre de uns bons 15 a 20 minutos para sair do mundo dos sonhos, e não
há nada mais irritante que estar nessa fase e ouvir uma galinha tonta aos pulos
pela casa a cantar e a chatear-me:
- Então não acordas? Olha como o tempo está bom…..Hoje só
dão 39º de temperatura…Vai estar quentinho….
Tento não responder porque senão já sei que vai dar
discussão, mas penso:
- Que bom, sempre desejei morar dentro de um forno. Hoje
talvez dê para levar os sapatos sem que as solas de borracha derretam.
- CALA-TE, TU CANTAS MAL - ouve-se do quarto dos fundos, a
minha alma gémea acordou a refilar e sempre tão bem disposta como o pai.
- Filha, não sejas como o teu pai, a mãe não gosta e a mãe
canta bem. - diz a mãe com ar triste.
- NÃO CANTAS NADA. O PAI É QUE CANTA BEM. NÃO É PAI? CANTA
LÁ PARA A MÃE VER.
Bom, perante este pedido o que posso eu fazer, com a minha
voz ainda mole com o sono começo a cantarolar algo que me venha à cabeça e que
obviamente mais parece um grasnar de um corvo.
- VÊS MÃE COMO O PAI CANTA BEM.
Como
eu a adoro.